domingo, 7 de junho de 2009

Entre Amores


Sabe aquele sonho juvenil que temos de encontrar o príncipe encantado? Pois é, o meu foi realizado. Aos 18 anos me casei com o homem dos meus sonhos: Francisco Buarque de Hollanda. Era como havia idealizado: muita poesia, muita música, muito amor e a boêmia como a nossa companheira. Alguns anos se passaram e fui começando a perceber que mesmo com a boêmia, a poesia e a música faltava algo mais... O meu sonho havia deixado de ser sonho e estava entrelaçado entre a rotina e a monotonia dos sentimentos.
Acredito fielmente que o meu ex tenha feito “O casamento dos pequenos burgueses” pensando em nós, porém, os versos em que ele dizia “ela esquenta a papa do neto, e ele quase que fez fortuna... Vão viver sob o mesmo teto, até que a morte os una” não chegaram a se concretizar. Antes disso...bem antes, tive uma delíciosa experiência em um dos seus shows. Estava na platéia, admirando-o e cantarolando suas canções como de costume, quando olhei para a minha esquerda, deparando-me com um homem extremamente atraente, com um bigode como nunca havia visto. Intrigada com ele, começamos a conversar e ele se apresentou: Paulo Leminski. Sabia que esse nome nunca mais sairia da minha memória.... E assim, começamos então a ter um “affair”, mesmo sabendo que ele era casado, fiquei emocionada quando ele recitou para mim “Amor Bastante”.
Ao voltar para casa, Chico ciente da minha conduta, olhou-me nos olhos e disse: “Éramos nós, estreitos nós...enquanto tú, és laço frouxo”. Decepcionado, pediu que eu me retirasse da sua casa e da sua vida, então, não tinha lugar para ir a não ser a casa do Paulo. Chegando na casa do Paulo, conheci sua mulher, Alice Ruiz, poeta como o marido. Ahh.. como foram bons esses meus dias! Ao me conhecer, ela disse logo: “A gaveta da alegria já está cheia de ficar vazia” e fui recebida com muita ternura (o que me surpreendeu). Alice estava no País das Maravilhas comigo lá, ela acreditava que eu era o ingrediente que faltava no relacionamento deles e ao perguntar se ela se sentia enciumada, ela dizia que não. Uma tarde, ela apareceu com um poema chamado “Se” e disse que havia o feito inspirada em mim. Ao lê-lo, não tive dúvida: estava encantada também por Alice! Fui percebendo que nos apaixonamos pela alma das pessoas, não pelo sexo. Vivemos algo estilo “Vick Cristina em Barcelona”. Não era apenas um ménage à trois, éramos uma família!
O tempo foi passando e como imaginava, me cansei da instabilidade que a intensa vida a três me proporcionava...Assim, deixei-os desconsolados quando peguei minhas malas e disse que aquilo já não dava mais pra mim. Dois dias após a minha partida, Alice me mandou um telegrama: “Você deixou tudo a tua cara só pra deixar tudo com cara de saudade”.
Resolvi voltar para o seio da família. Estava em casa, quando vi um caminhão de mudança na porta do meu prédio... Quando fui me informar, quase caí pra trás: Pablo Neruda estava exilado não na Itália, mas no Brasil, em Itabuna e morando temporariamente no meu prédio! Ah... se “a verdade é que não há verdade”, garanto veementemente que isso foi verdadeiro. Estava enfeitiçada pelos seus poemas, descobrindo novamente o amor. Era como se ele estivesse invadindo em mim um lugar inóspito... Passávamos as tardes entre carícias e pêlos emaranhados ao som da sexy voz de Nelson Gonçalves.
Cada dia era um novo poema, uma nova aventura. Ele calmamente me explicava que “a poesia tem comunicação secreta com o sofrimento do homem”. (In) Felizmente, o seu período de exílio chegou ao fim, e ele antes de partir, deixou apenas um bilhete que no final dizia assim: “... Do teu coração me diz adeus uma criança. E eu lhe digo adeus.”
Extremamente deprimida, minha tristeza foi se manifestando fisicamente e muito adoentada, liguei para Augusto dos Anjos vir me examinar. Ele olhou, olhou... E deu o diagnóstico: “Se a alguém causa inda pena a tua chaga, apedreja essa mão vil que te afaga... Escarra nessa boca que te beija!”. Com a ausência da esperança, disse a ele: “Tome doutor essa tesoura e corte minha singularíssima pessoa”. Ele simplesmente riu e debochadamente com o sotaque paraibano e disse que eu ficaria bem, quem encontraria novamente minha pessoa em um dos pseudônimos de Fernando Pessoa.
Dias se passaram e o corpo já estava bom, mas a alma ainda ferida. Resolvi então ir atrás desse Fernando. Ah... Como foi difícil encontrá-lo! Deparei-me com Álvaro de Campos (cheio de niilismos), Ricardo Reis (rico em simetria, harmonia e bucolismo) e Alberto Caeiro (poemas simples, diretos, concretos). Demorei a entender que todos esses que formavam o Fernando que Augusto tanto me falou. Ao embarcar na sua obra, percebi a sensibilidade do sentimento inerente a questões existências e isso me proporcionou certo conforto. Fui percebendo que não era incompreendida, as Pessoas de Fernando me compreendiam. Sutilmente ele falava “tenho em mim todos os sonhos do mundo” e dizia ainda que “para viajar basta existir”, pois “tudo vale a pena quando a alma não é pequena”.
Comprei minha passagem e viajei. Em maio fui à Rússia. Ao desembarcar, um famoso poeta estava dando autógrafos na livraria do aeroporto e ao me olhar disse: "Me quer? Não me quer? As mãos torcidas, os dedos despedaçados... um a um extraio, assim tira a sorte enquanto no ar de maio caem pétalas das margaridas...” Encantada, me apresentei: “Marcelle Ferrari Menezes, amante dos que vivem.” E ele disse: sou Vladimir Maiakóvski. Ao ouvir dizer seu nome, só consegui me lembrar do meu amor de infância, Zeca Baleiro, que uma vez me disse que não seria “como o poeta que envelhece lendo Maiakóvski na loja de conveniência”. Eis que aceitei jantar com o russo e iniciei mais uma aventura de amor enquanto estive na Rússia.
O mês de dezembro foi chegando e retornei a minha terra natal para comemorar com a família as datas festivas. Ao reencontrá-los, não falava de outra coisa... Queria que todos soubessem os detalhes do meu envolvimento amoroso com o Vladimir. Estava contente, havia curado a ferida que Neruda deixou.
Estava entre familiares e sabe aquele primo que você não vê há anos? Pois então! Na hora do amigo secreto recebi um presente do meu primo Vinícius de Moraes (chamado por todos carinhosamente de Vininha) e no cartão ele escreveu assim: “amava suas primas com beijos e rimas”. Confusa, olhei-o nos olhos, agradeci e disse: “Sabe você o que o amor? Não sabe, eu sei!... Você já chorou de dor? Pois eu chorei. Já chorei de mal de amor, já chorei de compaixão... quanto à você meu camarada, qual o que, não sabe não”. Ele fingiu não ter reparado na maneira ríspida como respondi e disse que “a vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida”. Resumindo: Vivemos uma louca paixão, correndo entre o corredor da casa da vovó, fazendo amor no sofá da tia que cheirava mal, nos acariciando por baixo da mesa em almoços familiares. Vivíamos embriagados pelo whisky e pela poesia. Mas era aquele romance intenso e casual. Devido ao amor que Vininha sentia pelas mulheres, sabia que teria a fidelidade dele por pouco tempo, tinha plena convicção que tínhamos um curto prazo de validade. E Saravá, chegamos ao fim.
Resolvi reencontrar amigos da infância e fomos a um gostoso pub. Lá, conversando sobre nossas aventuras amorosas, Simone de Beauvoir me disse que “ninguém nasce mulher, torna-se” e Clarice Lispector, densa como sempre alegou que tudo isso havia acontecido comigo porque “o que não presta, sempre me interessou, e muito” e que “até cortar os próprios defeitos pode ser perigoso. Nunca se sabe qual é o defeito que sustenta nosso edifício inteiro”. Sartre tentava finalizar a conversa falando que “nasci para satisfazer a grande necessidade que eu tinha de mim mesmo".
Ao término da minha agradável noite, voltei pra casa. Amores vividos, intensos e verdadeiros ficaram para trás. Peguei o telefone e liguei para uma amiga (Florbela Espanca) e ela me disse que eu “sou talvez a visão que alguém sonhou, alguém que veio ao mundo pra me ver e que nunca na vida me encontrou!” ...Assim, desliguei o telefone e fui dormir, sonhando em continuar minha incansável busca pelo amor.

3 comentários:

  1. Queria ter tido 1/3 dos amores que tivera; passou-me um filme pela cabeça enquanto a lia; parei no primeiro parágrafo, por ora. Providenciei uma xícara com leite quente e canela, apaguei as luzes e desliguei meu player e continuei, boquiaberto.
    Num primeiro momento fiquei triste ao saber que fui traído, mas a contar pela instabilidade dos nossos amores era de se esperar.
    Além do leite, eu precisava de uma câmera, uns atores e um orçamento pequeno para fazer um filme!
    Escolheu bem seus romances!

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  2. UAU!
    Lindo! Intenso! Sublime.
    Pude sentir cada linha do que foi escrito...
    Você leva jeito pra coisa! :)

    ps: também queria ter tido 1/3 dos amores descritos tão intensamente nessa crônica...

    =)

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